spain

“Com a Igreja, venceremos!”

“Estrela que cintila constantemente, sem nunca bruxulear”, “a maravilha das maravilhas, a segurança das seguranças, a realização do Reino de Deus!” Eis como Mons. João considerava o Corpo Místico de Cristo, do qual foi membro fidelíssimo.

Pe. Alex Barbosa de Brito, EP

Quando se homenageia um pai, por mais solene que seja o ato, parece natural haver espaço para narrar algumas recordações – afinal, se está em família! Assim, pedimos vênia para reconstruir um cenário especialmente marcante de nossa juventude. E dizemos “nossa” não por mera fidelidade às regras da escrita, mas pelo fato de que essa recordação nossa será possivelmente também vossa, caro leitor.

Com efeito, nos idos anos de 1960 aos de 1990 quantas pessoas não presenciaram, de norte a sul do Brasil, o seguinte acontecimento: nas principais ruas, avenidas e praças das cidades, de um momento para outro surgia, como uma miragem, uma revoada de estandartes rubro-áureos, com seu leão rompante desafiador. Portavam-no ­alguns jovens de capa também vermelha que, com fisionomia amável, postura altaneira e voz decidida, proclamavam slogans de defesa à Igreja e à sua moral, e de sacrifício em prol da Fé.

Era a destemida TFP, Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade, cujo nome ainda ressoa aos nossos ouvidos com saudades, aos do público em geral com respeito, e aos dos seus inimigos – porque até hoje os há – com rancor… e muitas vezes com medo.

A TFP já não atua tão visivelmente no Brasil há mais de vinte anos; porém, sua memória permanece viva. Ela se imortalizou porque os homens a transformaram em lenda, o que, aliás, eles tendem a fazer com tudo aquilo que não podem compreender. Ora, o que havia nessa entidade de inextricável para seus contemporâneos?

Mons. João em setembro de 2008

Amor desinteressado. Aqueles jovens lançavam-se às ruas e enfrentavam a intempérie – seja física, seja moral – simplesmente por dedicação abnegada à Santa Igreja Católica e a tudo quanto é conforme a ela. Para o mundo ateu da segunda metade do século XX, tal atitude representava um escândalo, um absurdo ou, pior do que isso, um milagre. Quem era o responsável por semelhante epopeia?

A alma por detrás do mito

Alma propulsora do pujante movimento, Dr. Plinio Corrêa de Oliveira nutria grande amor à Santa Igreja, a ponto de afirmar que o epíteto “varão todo católico e apostólico, plenamente romano” constituía o único elogio que tocava a fundo as fímbrias mais sensíveis de sua alma.

De fato, muitas vezes Mons. João recordou a seus filhos uma reunião memorável do ano de 1978, proferida por ocasião do aniversário de Batismo de seu pai espiritual, na qual, a despeito da placidez que o caracterizava, Dr. Plinio se comoveu até as lágrimas ao ser-lhe lembrado o dom de pertencer à Santa Igreja. Dessa feita, após conter a emoção, ele afirmou:

Dr. Plinio em uma conferência no ano de 1970

“Aquilo que se ama, ama-se porque se viu, ama-se porque se compreendeu, ama-se, enfim, porque se aderiu de toda a alma. Mas de um modo tal, que a palavra aderir é fraca; se entranhou, se penetrou, se deixou penetrar, se estabeleceu um conúbio de alma, tanto quanto a fraqueza humana o permite, indissolúvel e completo, para a vida e para a morte, para o tempo e para a eternidade! Essa é a nossa pertencença à Igreja Católica, e se pode dizer, de algum modo, o que São Paulo disse a respeito de Nosso Senhor Jesus Cristo: ‘Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim’ (Gal 2, 20)! Nós somos chamados a que isso se realize desta maneira: ‘Já não sou eu que vivo, mas é a Igreja Católica Apostólica Romana que vive em mim’”.1

Esse excerto verdadeiramente sublime nos permite entrever o quanto Dr. Plinio sentia-se um só com a Igreja. Mas, sendo ele um simples leigo, não constituía isso uma forma de pretensão? Muito pelo contrário.

Eco fidelíssimo da Igreja

Essa entranhada união em nada turbou a profunda submissão de Dr. Plinio àquela a quem tanto amava. Ainda conforme suas palavras, ele se considerava um mero “eco do grande sino que é a Igreja Católica Apostólica Romana”.2

Enquanto muitas verdades eram, infelizmente, caladas por aqueles que as deveriam anunciar, enquanto os “campanários da tradição” eram silenciados, renunciando à sua missão, ele almejava ter a fidelidade do eco, que ressoa mesmo quando os sinos já cessaram de repicar. Com efeito, sua conformidade com o pensamento da Igreja lhe valeu exatamente o elogio de “eco fidelíssimo”3 do Magistério Eclesiástico, feito pelo Cardeal Giuseppe Pizzardo, então Prefeito da Sagrada Congregação para os Seminários e Universidades.

E foi esse espírito de amor à Santa Igreja, com “laivos de adoração” como diria Dr. ­Plinio, que Mons. João hauriu a plenos pulmões, modelando sua mentalidade à imagem da de seu pai espiritual. Tal atitude explica a harmônica consonância entre ambos, fundada no devotamento incondicional à Esposa Mística de Cristo, assim como o papel que os dois tiveram – um como origem e causa, e o outro como estreito colaborador – na constituição de um núcleo de almas dispostas a seguir os mesmos ideais e que em pouco tempo contava centenas de membros espalhados pelo mundo inteiro.

Tratava-se, pois, de um movimento com grande força e muito potencial, mas que devido a circunstâncias diversas não gozava de reconhecimento canônico, constituindo-se como entidade cívica de inspiração católica, formada de maneira compacta por fiéis praticantes.

O sonho do instituto secular

A bem dizer, desde a década de 1930 Dr. ­Plinio aspirava por elevar sua obra a instituto aprovado pela Hierarquia Eclesiástica, anseio que só cresceu com o passar do tempo.

Em seu livro Revolução e Contra-Revolução, escrito em 1959, ele considerava a possibilidade de surgir uma instituição católica que levasse adiante o combate contra o mal em nosso tempo: “A ação contra-revolucionária pode ser feita, naturalmente, por uma só pessoa, ou pela conjugação, a título privado, de várias. E, com a devida aprovação eclesiástica, pode até culminar na formação de uma associação religiosa especialmente destinada à luta contra a Revolução”.4

Nessas palavras se entrevê o mesmo desejo manifestado na juventude, que foi paulatinamente tomando corpo em sua alma até se consolidar, na década de 1970, no empenho de fundar um instituto secular e tornar-se uma prioridade no fim de seus dias.

Num almoço a sós com o então Sr. João em 1994 – pouco antes, portanto, de falecer –, Dr. ­Plinio dizia ser necessário “enfrentar as questões de Direito Canônico e fundar uma entidade oficialmente católica”, e reforçava: “Seria preciso que nós a fundássemos desde já”.5

Essa organização canônica, conforme ele próprio afirmou, realizaria a essência da missão do Grupo, chamado a “exercer na Igreja, internamente, um apostolado pelo qual ela queira chegar ao último termo de si mesma”.6 Tornava-se claro que seu intuito era transformar a TFP numa associação privada de fiéis, para empregarmos a figura que, segundo os moldes do novo Código de Direito Canônico, mais refletiria sua aspiração.

Tratava-se de meta realmente ousada, cuja execução exigiria um ânimo tenaz, mas sobretudo uma fé inquebrantável. Por isso Mons. João foi a pessoa escolhida para levá-la a cabo.

Vinculados à Igreja imortal

Infelizmente Dr. Plinio não veria seu desejo realizado em vida, pois tanto ele quanto seu fiel discípulo deparar-se-iam com diversos obstáculos, até mesmo entre os que deveriam secundar seus esforços. Em 3 de outubro de 1995, aos oitenta e seis anos de idade, aquele varão apaixonado pela Igreja entregava sua alma a Deus, mas legava um ideal a seus discípulos e, sobretudo, ao filho a quem chamara de seu alter ego. Tratava-se, portanto, de concretizá-lo sem receios.

A Providência não demoraria em enviar os mediadores entre essa família de almas e a Santa Sé, os quais souberam promover a tão ansiada aproximação, percebendo que semelhante desejo não podia ser desprezado, pois sobre ele pousava com suave eficácia o dedo de Deus.

Da eternidade, o fundador veria realizar-se em pouco tempo a antiga aspiração. No dia 22 de fevereiro de 2001, os Arautos do Evangelho receberam das mãos de Sua Santidade João Paulo II a aprovação pontifícia, a primeira outorgada no terceiro milênio, constituindo-se em associação internacional privada de fiéis.

Este acontecimento alegrou sobremaneira o coração de Mons. João, pois tal chancela trazia, além de alvissareiras repercussões institucionais, uma nova proteção à obra no âmbito sobrenatural. Era como se os Anjos de São Pedro e São Paulo a assumissem por inteiro, dando-lhe um novo élan e firmíssima segurança. Ao ser acolhido juridicamente no seio do Corpo Místico de Cristo, o movimento iniciado por Dr. Plinio, que tantas tormentas enfrentara ao longo de décadas, passava a participar de forma mais intensa de sua imortalidade e vitalidade.

Mons. João venera a imagem de São Pedro na Basílica Vaticana, em fevereiro de 2006

“Uma coluna no templo de meu Deus” 

Entretanto, o Espírito Santo inspirava a Mons. João novas audácias. Um desejo sobrenatural irresistível indicava-lhe a necessidade de enveredar por uma estrada sublime e árdua: a fundação de um ramo sacerdotal.

Entrevia ele o quanto tal passo implicaria sacrifícios, mas esta perspectiva não o esmoreceu. Se era vontade de Deus e clara inspiração vinda de Dr. Plinio, tinha de ser dado, custasse o que custasse.

Encetou então o caminho, vencendo pacientemente os empecilhos e aplainando as estradas de Deus, a fim de propiciar as primeiras ordenações. Para narrar os diversos lances ocorridos naquela ocasião, seria preciso escrever talvez um livro inteiro, tarefa fascinante, mas impossível por ora… Entretanto, não resistimos em deixar aqui consignado pelo menos um episódio, que se destaca por seu simbolismo.

Mons. João faz sua solene profissão de fé
e assina o juramento de fidelidade no Altar da Cátedra de São Pedro, na Basílica Vaticana, em 15 de março de 2005

A 15 de março de 2005 dava-se um ato solene: João Scognamiglio Clá Dias realizava, antes de receber o primeiro grau do Sacramento da Ordem, sua profissão de fé e seu juramento de fidelidade à Santa Igreja Católica Apostólica Romana. A assinatura do documento se fez sobre o Altar da Cátedra de São Pedro, coração da Basílica Vaticana. Na tarde daquele mesmo dia, ao contemplar da eternidade a ordenação diaconal de seu discípulo perfeito, Dr. Plinio viu se cumprirem nele as palavras do Apocalipse ao Anjo de Filadélfia: “Farei do vencedor uma coluna no templo de meu Deus, de onde jamais sairá” (3, 12).

Estavam deitadas, no mais firme dos solos, as raízes de uma obra jovem e vicejante, que se expandiria pelo mundo inteiro, dando frutos abundantes e autênticos de vocações sacerdotais para uma nova militia Christi. A fé do fundador, plenamente católica, apostólica e romana, seria o sustento de seus filhos clérigos em meio aos ventos e tempestades que se abateriam contra a Igreja e contra a instituição, como veremos no artigo seguinte.

Mãe amorosa, imaculada e indefectível

Inúmeras vezes Mons. João manifestou, por palavras e atitudes, o quanto considerava a Santa Igreja como o amor de sua vida.

Antes de tudo, ele a via como a melhor das mães. Em conversa com seus filhos mais jovens, ainda antes de ser ordenado sacerdote, afirmava: “A figura ‘mãe’, na ordem da natureza, representa aos nossos olhos – que são sensíveis e gostam de símbolos, de imagens – a Igreja. Porque Mãe, mas Mãe mesmo, é a Santa Igreja!”7

Nosso fundador considerava o Corpo Místico de Cristo como a “estrela que cintila constantemente, sem nunca bruxulear”,8“a maravilha das maravilhas, a segurança das seguranças, a realização do Reino de Deus!”9 Sua ufania por ser católico escachoava em ladainhas de elogios: “Algo como essa instituição nunca existiu, existe ou existirá na História! Uma Igreja invencível, inabalável, indestrutível, uma Igreja infalível, inerrante […]! Sejamos santamente orgulhosos da Igreja. Aí, sim, vale a pena ter orgulho: orgulho da Igreja!”10

Amor que se desdobra em holocausto

Ora, como indica São Tomás de Aquino,11 é próprio do amor levar à doação gratuita. Daí o desejo manifestado por Mons. João de construir templos ornados de esplendor, onde reluz a harmonia entre o maravilhoso e o sagrado, e que são ao mesmo tempo cátedras dignas do ensinamento mais seguro e santuários à altura do Divino Sacrifício.

Daí, igualmente, seu empenho em defender a Esposa do Cordeiro contra a investida dos adversários: “Nós queremos ser escudos da Igreja, queremos ser colunas da Igreja, queremos ser filhos da Igreja, queremos ser escravos da Igreja, queremos ser aqueles que dão a própria vida pela Igreja”,12 sintetizou ele numa homilia.

No ano de 2010, Mons. João teve ainda a oportunidade de demonstrar de forma tocante essa postura de paladino, quando, em meio a uma saraivada de notícias que procuravam enlamear a face imaculada da Santa Igreja na figura do Sumo Pontífice Bento XVI, sentiu-se impelido a redigir um vigoroso escrito em defesa do Papa, levantando o estandarte da indefectibilidade do Corpo Místico de Cristo.13

Fé intrépida na vitória da Rainha destronada 

Tal indefectibilidade refulge mesmo em nossos tempos, quando a Igreja atravessa uma das crises mais calamitosas de sua História. Nesse sentido, convém recordar uma imagem lancinante empregada por Dr. Plinio para descrever o drama que, a partir dos anos 1960, tornou-se especialmente patente. Mons. João bem a conhecia e repetiu-a em diversas ocasiões. Trata-se da metáfora da Rainha destronada.

O mestre de nosso fundador imaginava a Igreja como uma soberana contra a qual seus súditos se haviam revoltado violentamente. Em ­consequência, encontrava-se ela circundada de inimigos poderosos e influentes, que a amarravam como a uma pessoa vil e a maquiavam como a uma mulher infame, não sem antes terem profanado a sala do trono, derrubado o dossel e pisado, com vilipêndio, os ornatos régios.

Pois bem, afirmava ele, “dentro da sala há um pugilo de fiéis e ela olha para esses fiéis. É claro! Assim faria a Rainha destronada. E, ou este olhar opera em nós o que o olhar de Jesus coroado de espinhos operou em São Pedro, ou não há mais nada a dizer. Porque este olhar está fito em nós, constante e continuamente”.14

Mons. João em março de 2021

Mons. João fez sua esta certeza de ser olhado pela Rainha destronada e tomou a resolução de lutar com todas as suas forças para reinstalar no trono, com mais pompa e glória que antes, aquela que em nossos dias sofre tantas humilhações pelos pecados e traições dos que deviam reverenciá-la como filhos.

Contudo, firme na certeza da imortalidade da Igreja e da força regeneradora que lhe comunica o Divino Espírito Santo, nosso fundador manteve em meio à tragédia contemporânea uma fé intrépida, convicto da vitória final da Esposa Imaculada do Cordeiro. Eis o pensamento que norteou a vida de Mons. João: “Nós, com a Igreja, venceremos; a Igreja, sem nós, vencerá. Quem está na Igreja e com a Igreja, vence; quem está fora da Igreja é derrotado”.

Próximo artigo >>


  1. CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência. São Paulo, 7/6/1978. ↩︎
  2. CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conferência. São Paulo, 15/1/1970. ↩︎
  3. PIZZARDO, Giuseppe. Carta de 2/12/1964. In: CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Acordo com o regime comunista: para a Igreja, esperança ou autodemolição? 10.ed. São Paulo: Vera Cruz, 1974, p.6. ↩︎
  4. CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Revolução e Contra-Revolução. 9.ed. São Paulo: Associação Brasileira Arautos do Evangelho, 2024, p.214. ↩︎
  5. CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Conversa. São Paulo, 15/2/1994. ↩︎
  6. CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Palestra. São. Paulo, 31/3/1993. ↩︎
  7. CLÁ DIAS, EP, João Scognamiglio. Conversa. São Paulo, 2/9/1996. ↩︎
  8. CLÁ DIAS, EP, João Scognamiglio. Homilia. Caieiras, 4/1/2009. ↩︎
  9. CLÁ DIAS, EP, João Scognamiglio. Homilia. Mairiporã, 2/7/2006. ↩︎
  10. Idem, ibidem. ↩︎
  11. Cf. SÃO TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica. I, q.38, a.2. ↩︎
  12. CLÁ DIAS, EP, João Scognamiglio. Homilia. Caieiras, 5/3/2007. ↩︎
  13. Cf. CLÁ DIAS, EP, João Scognamiglio. A Igreja é imaculada e indefectível. São Paulo: Arautos do
    Evangelho, 2010. ↩︎
  14. CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Palestra. Amparo, 26/2/1996. ↩︎