Ir. Michelle Viccola, EP
Fossem suas palavras proferidas ao calor de uma radiosa manhã em Betânia, ou enquanto o ocaso pintava de tonalidades douradas as aprazíveis águas do Mar de Tiberíades, onde quer que o suavíssimo timbre de voz do Divino Redentor se fizesse ouvir, ele penetrava de modo misterioso nas almas e revelava em algo os segredos da Sabedoria Incriada. Assim o foi quando Jesus afirmou a seus discípulos: “O Reino dos Céus é também semelhante a um tesouro escondido num campo” (Mt 13, 44).
Um tesouro escondido… Imagem bela e poética para tempos passados, mas infelizmente um pouco longínqua nos conturbados dias presentes. Onde e como achar um tesouro em “campos” semeados de arranha-céus, ornados de asfalto e betume, enegrecidos por tanta poluição e pecado?
O primeiro encontro
No ano de 1956, Mons. João – então um jovem de dezessete anos – estava longe de imaginar que no saguão de um edifício da Rua Vieira de Carvalho, em São Paulo, encontraria de modo inusitado o maior tesouro de sua vida. Após uma manhã de estudos, dirigira-se ele à sede do grupo do Catolicismo – núcleo que mais tarde daria origem à TFP – localizada naquele prédio, deixando para trás, ao penetrar no recinto, um mundo feio e revolucionário. Sentia-se já feliz num ambiente que considerava sacral e, enquanto esperava a chegada do elevador, apareceram na porta de entrada Dr. Plinio e sua mãe, Dona Lucilia.1
Sua primeira reação foi a de analisá-los, vendo como os reflexos de um incidiam no outro. Contemplou num flash a enorme semelhança de alma existente entre os dois e encantou-se com a venerável figura de Dona Lucilia, compreendendo tratar-se de uma senhora completamente fora do comum.
Não foi apenas a distinção de quem pertencia a uma das famílias mais tradicionais de São Paulo, nem mesmo a delicadeza com que aceitou seu auxílio para subir as escadas do saguão que o impressionaram. Ele precisaria ainda de décadas para decantar o significado e a transcendência desse primeiro encontro que, apesar de sublime, foi natural e simples como seria sempre seu relacionamento com aquela senhora “feita de porcelana”.
Reflexo do Sagrado Coração de Jesus
Transcorridos onze anos após esse primeiro olhar – ao longo dos quais houve alguns outros encontros, tão fugazes como marcantes –, Dr. Plinio foi acometido de uma forte crise de diabetes. Durante o período em que convalescia no seu apartamento, o então Sr. João teve a oportunidade de servi-lo mais de perto e, em consequência, de privar com Dona Lucilia.
Aos poucos ele foi notando a terrível solidão em que vivia aquela nobre senhora, desprezada por seus mais próximos, com exceção do filho. Sua bondade era totalmente incompreendida, embora o afeto transbordante de seu coração fosse, de certa forma, capaz de abarcar a humanidade inteira.
Descobrindo os encantos de sua alma nos instantes em que podia observá-la, ele se deixava embeber por aquela doçura cativante. Em seu interior formava-se a imagem de uma virtude singular, forjada pela dor no apagamento e na solidão da vida de uma dona de casa.
Paulatinamente, Mons. João percebeu que Dona Lucilia tinha haurido de Nosso Senhor um profundo amor e uma bondade sem reservas para com os homens. Via como dedicava longas horas de contemplação diante da imagem do Sagrado Coração de Jesus e comprovou, assim, esta afirmação de Dr. Plinio: “De algum modo, Ele vive nela”.2 Sua pessoa irradiava a sacralidade do Redentor em todos os ambientes onde se encontrasse, tingindo-os de sobrenatural e fazendo com que as maravilhas que habitavam seu interior se refletissem até nos seus mínimos gestos. O clima criado em torno dela era tão feérico e tão convidativo para a prática do bem, que a pessoa se sentia na presença do próprio Deus, o qual inabitava sua alma virginal de batizada.
Dona Lucilia de tal forma impressionava Mons. João, que ele narrou ter sentido várias vezes a inclinação de ajoelhar-se diante dela para venerá-la, atônito com a inocência de sua alma, a serenidade de seu caráter, a tranquilidade de seu porte, a pureza de intenção de suas obras, a benquerença de seu trato… enfim, a como que “angelicidade” de suas virtudes.
Um relacionamento celestial
O convívio – que mais tarde Mons. João chamaria de “luciliano” – compunha-se de variados encontros ao longo do dia. Ele aguardava, ansioso, o momento de poder estar junto a Dona Lucilia, aproveitando qualquer ocasião para analisá-la e conservando em seu coração todos os pormenores.
Bastava aproximar-se dela e cumprimentá-la, osculando-lhe respeitosamente a mão, para se sentir envolto por sua serenidade. O olhar aveludado e penetrante desta dama era para ele um reflexo da pureza de Deus. Décadas depois de seu falecimento, Mons. João lembrava com saudades o bem-estar e a alegria que gozava ao fixá-lo, pois era bondoso, cheio de misericórdia e disposto a tudo perdoar.
Ao constatar, porém, que muitas pessoas preferiam ficar fora de sua influência, rejeitando, assim, a benquerença que lhe transbordava do coração, seu olhar via-se envolto numa bela e nobre bruma de melancolia: era o desencanto por um afeto não correspondido. Esse sofrimento havia acrisolado sua alma, engrandecendo-a e configurando-a plenamente com a Bondade crucificada.
As lembranças desse convívio celestial não se compõem de grandes feitos ou de lances heroicos. Pelo contrário, no afável relacionamento familiar, ao tomar chá em companhia de Dona Lucilia, conversar sobre fatos da infância de Dr. Plinio, presenteá-la com uma singela rosa ou observá-la discretamente enquanto rezava o Rosário, Mons. João contemplou, como num espelho, as grandezas de um Deus feito perdão e sentiu o calor do Coração “materno” de Jesus. Uma bondade séria, respeitosa, afetuosa, humilde e suave era a clave com a qual ela se relacionava com os demais.
Sem saber como, nem quando, Mons. João percebeu que houve algum fenômeno supremamente místico entre os dois, fazendo com que parte da impostação de Dona Lucilia, de seu espírito, de sua mentalidade e de sua benquerença passassem para ele, com vistas, quiçá, a estender esse relacionamento a outras almas.
Uma mãe para os séculos futuros
Assim, não tardou para que discernisse com tino profético a missão desta singular mãe no porvir. Intuiu ter ela um papel providencial, à maneira de uma “inovação” propiciada por Deus para atender às apetências e necessidades de homens cada vez mais órfãos de bondade. Tratava-se de um tesouro divino, misto de novidade e tradição, de uma alma incumbida de realizar de modo particular, preciso e pequenino, o bem que Nossa Senhora opera universalmente em favor das almas.
Nesse sentido, Dona Lucilia era como a última semente da Idade Média que, ao cair no solo, fez nascer algo de novo para a Cristandade, abrindo, como intercessora, as portas de uma dadivosidade inaudita, capaz de “arruinar” os reservatórios da graça divina, se estes não fossem infinitos. Ela iluminou com os raios dessa mesma Civilização Cristã, de que era herdeira, um mundo decadente, onde a benquerença fora substituída pela vulgaridade, o afeto pelo interesse, a caridade por um filantropismo ateu.
Meditando nas razões desse modo de agir da Providência, pareceu a Mons. João que, devido à corrupção e ao desvario da sociedade revolucionária, era preciso que Deus se mostrasse mais próximo a um mundo que destruíra a imagem de Jesus e de sua Mãe Santíssima, dando-lhe, em Dona Lucilia, uma oportunidade de lembrar suas verdadeiras fisionomias.
De tal mãe, tal filho!
Ela era, de fato, um espelho de determinadas perfeições divinas, cujo primeiro beneficiado havia sido o próprio filho, Dr. Plinio. Admirando de perto as sólidas virtudes deste varão, Mons. João comprovou o quanto ele era sustentado na virtude pela presença da mãe. Dona Lucilia foi o parâmetro, o trilho, a “tábua da Lei” que o amparou na vida espiritual e, sendo chamada pela Providência para defendê-lo, era normal que na base da fidelidade de Dr. Plinio estivessem as orações dela.
Em ocasiões diversas Dr. Plinio confidenciou, a esse respeito, ter compreendido a santidade contemplando sua mãe. Impressionante comentário vindo de alguém que possuía profundo discernimento dos espíritos e que, portanto, olhando para Dona Lucilia, contemplava por um dom místico sua alma. Julgava-a, então, tão elevada que lhe servia de padrão para sua própria santificação.
Em suma, na raiz de sua perseverança e, de modo indireto, na de toda a obra que ele realizaria pela Igreja, estavam o exemplo e o sacrifício desta dama.
E Mons. João também a sentia como sua mãe. Ela passou a ser o maior tesouro de sua vida, com o qual jamais pudera sonhar.
O tesouro… na eternidade
Ora, o falecimento de Dona Lucilia o tomou completamente de surpresa. De tal forma ela era “seu tesouro” que, pensava, nunca se separariam… O bem-estar que a circundava, até nos momentos de maior aflição ou de enfermidade, fazia com que ela parecesse imune ao sofrimento e dava a impressão de que viveria eternamente… Por isso, enquanto velava seu corpo ele se perguntava perplexo: “Será que essa luz vai nos abandonar?”
Com a perspectiva dos anos, comprovamos que tantas recordações, tantos sorrisos e tantos estímulos foram dados a Mons. João para que, guardados em seu coração, nos iluminassem no futuro! Para ele, Dona Lucilia não havia partido, mas estaria sempre a seu lado, pois a união de almas entre ambos era profunda. De alguma forma ela se tornara “eterna”, uma vez que, desde aquele 21 de abril de 1968, se constituiu em seu como que “anjo da guarda”.
A partir de então, sua presença – não mais física – manifestava-se por um diálogo constante, marcado por imponderáveis e por um contato inteiramente místico, cuja iniciativa partia do Céu. Dona Lucilia se fazia sentir de forma ainda mais intensa do que se estivesse viva, acompanhando-o a cada passo, tirando-lhe os obstáculos do caminho, ajeitando as situações e constantemente amparando a grande família espiritual que ele difundia pelo mundo.
Mãe de uma multidão de filhos
E aqui a epopeia de Mons. João toma um colorido inesperado. Ele podia considerar-se o felizardo homem da parábola, pois havia encontrado um tesouro escondido aos olhos do mundo… mas sentia vivamente que não devia ser o único a gozar dessa preciosidade.
Assim, logo após o falecimento de Dona Lucilia, tornou-se um verdadeiro apóstolo de suas virtudes, difundindo a devoção a ela entre os jovens membros da TFP e suas famílias, encorajando-os nas vias da santidade por meio do seu exemplo e obtendo, por sua intercessão, numerosos benefícios. Desvelava a todos esse sublime tesouro, permitindo a Dona Lucilia – que em vida não pudera acalentar tantos filhos sob seu xale maternal –, abraçar milhares e milhares deles, apresentando-os em seus braços à Divina Misericórdia.
Diante da sepultura de Dona Lucilia, crescia o número de pessoas que invocavam sua intercessão, sinal de terem recebido favores ou terem a esperança de vir a alcançá-los. E tal como em vida, ela sempre se manifestou solícita em atender quem lhe pedia auxílio, quase sôfrega de ajudar o necessitado antes mesmo de ser concluída a formulação do pedido.
Mons. João observou nessas intervenções que uma das graças mais características da suave e discreta ação de Dona Lucilia sobre as almas era um efeito pacificador sobre o temperamento, uma serenidade que equilibrava e infundia a certeza de encontrar nela um amparo seguro, em meio às incertezas e tempestades do mar revolto do mundo moderno.
E logo comprovaria também que ela seria sustento e refúgio nos tormentosos dias que se avizinhavam.
Fiel sustentáculo, ardoroso filho
Com o falecimento de Dr. Plinio em 1995, Mons. João viu iniciar-se um novo capítulo em sua vida, no qual precisaria do amparo mais próximo e intenso de Dona Lucilia. Durante quarenta anos havia colaborado com o filho dela e em tantas situações seu auxílio se fizera notar; estava certo de que tal solicitude não viria a faltar. E assim foi, pois esta se multiplicou! Houve rupturas, dramas e incertezas, decisões drásticas a tomar, passos ousados a dar, enfim, mil dificuldades que, sem a assistência sobrenatural de sua protetora, não teria vencido.
Em numerosas ocasiões, Mons. João declarou não ter dúvida do papel assumido por Dona Lucilia no inesperado restabelecimento de diversas enfermidades que padeceu, nas inexplicáveis soluções para casos complicadíssimos e na perseverança dos numerosos jovens, consagrados e até sacerdotes que ele, com suas orações, reunia sob o xale lilás desta maternal senhora. Essas intervenções revelavam-se discretas, suaves e eficazes, como fora sua ação na terra.
Todavia, como nos primórdios da Cristandade, não faltaram também os Herodes, Judas e Neros, que tentaram a todo custo fazer desaparecer essa luz. Enfrentando dolorosas oposições internas, equívocos, falsas acusações e um sem-fim de perseguições, Mons. João foi o fiel porta-estandarte da legítima devoção a Dona Lucilia – ancorada nas mais firmes e ortodoxas tradições da Igreja –, não só com o exemplo, mas sobretudo com as obras.
Já em vida de Dr. Plinio, o amor filial o levara a compilar os fatos da vida de Dona Lucilia e redigir uma biografia ilustrada,3 a propagar sua espiritualidade pelos quatro cantos da terra, a divulgar os milagres obtidos por sua intercessão, e a oferecer-lhe novos filhos espirituais, tecendo uma verdadeira corrente de devotos: almas que, ligadas a ela, estão mais próximas do Sagrado Coração de Jesus.
Uma luz para o porvir
Só muitos anos depois Mons. João compreendeu que até seu relacionamento com a Santa Igreja estava, de modo absolutamente sobrenatural, inserido nessa corrente de amor “luciliano”, a qual penetrava seus atos e lhe fazia distribuir, com largueza, dádivas espirituais à multidão de filhos que Deus lhe concedera.
Com a unção sacerdotal, essas dádivas tomaram nova força e um matiz de bondade que seria difícil conceber igual, prelúdio, quiçá, de um regime de graças inédito para a humanidade.
A ação de Dona Lucilia se perpetuava assim, contribuindo de forma muito especial a vivificar o coração do Corpo Místico de Cristo.
Nesse sentido, e à luz das promessas de Fátima, podemos desvendar um pouco mais os mistérios que cobrem o singular relacionamento entre ambos pois, para Mons. João, a ação de Dona Lucilia se intensificará sobretudo na hora dos grandes castigos anunciados na Cova da Iria: ela se fará sentir misticamente, obtendo do Sagrado Coração de Jesus a cura, o perdão e a restauração para as almas que se abram à sua influência.
Mons. João foi o filho fiel que, de modo infatigável, preparou os fundamentos para que a promessa de triunfo do Imaculado Coração de Maria se realize o quanto antes, fazendo nascer esse reino, primeiramente, nos corações dos devotos de Dona Lucilia!
- Dona Lucilia Corrêa de Oliveira nasceu no dia 22 de abril de 1876, na cidade de Pirassununga, Brasil. Teve importantíssimo papel na formação de Dr. Plinio, razão pela qual é considerada por seus discípulos como mãe espiritual. ↩︎
- CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Notas autobiográficas. São Paulo: Retornarei, 2008, v.I, p.527. ↩︎
- Cf. CLÁ DIAS, EP, João Scognamiglio. Dona Lucilia. 2.ed. Città del Vaticano-São Paulo: LEV; Lumen Sapientiæ, 2013. ↩︎