Pe. Rodrigo Fugiyama Nunes, EP
Não és capaz de compreender isto agora. Mais tarde, porém, o compreenderás”… (Jo 13, 7). Esta frase dirigida pelo Divino Mestre a São Pedro, durante o lava-pés, bem poderia surgir à mente de quem procurasse dissertar a respeito da vida mística de Mons. João. As impressões são tão vivas, as realidades tão profundas e os fatos ainda tão recentes que só uma sábia espera, aliada a um cuidadoso estudo, poderá, no futuro, deitar luzes mais acuradas sobre o assunto.
Contudo, seria uma grande omissão calar esse aspecto da alma de nosso fundador, por duas razões: primeiro, por ter sido ele um convicto pregador da universalidade desta via; segundo, porque todos os que desfrutaram de seu convívio puderam constatar o quanto, em meio à sua habitual simplicidade e discrição, entrevia-se nele um intenso e íntimo relacionamento com Deus, com Nossa Senhora e com o Céu. Com efeito, se é verdade que a mística se mostra acessível a todos, é igualmente certo que ela possui graus diversos.1
A esse propósito, alguém com aguçado tino psicológico e vasta experiência no trato com as almas externou este feliz comentário a seu respeito: “Por detrás do sorriso, ele esconde uma profunda vida mística”. Procuremos aqui, com muito respeito e sem a pretensão de esgotar o tema, levantar a ponta do véu que cobre o santuário interior da alma de Mons. João.
“Não sou eu quem vivo”
Muitos aventam as mais variadas hipóteses a respeito da misteriosa atração sobrenatural exercida por Mons. João – semelhante àquela comunicada por São João Bosco – sobre os que dele se aproximavam.
Os estudiosos da vida mística, porém, não encontrariam dificuldade em elucidar a questão: nos homens de Deus – especialmente nos grandes Santos e fundadores – a presença divina faz-se tão sensível que se torna irresistível. São Paulo teve suficiente magnanimidade e despretensão para traduzir essa realidade em palavras: “Não sou eu quem vivo, mas é Cristo quem vive em mim!” (Gal 2, 20).
Os Padres da Igreja tomam a escada de Jacó – a qual, “apoiando-se na terra, terminava no Céu” (Gn 28, 12) – como símbolo do próprio Cristo2 e afirmam ser a vida mística uma ascensão na união com Ele, rumo à “divinização”.3
Assim, baseados na mais estrita e pura Teologia, podemos afirmar que convivemos com um homem divinizado, no qual latejava o sobrenatural constantemente. Diante dele, era impossível separar o humano do divino pois, como bem assinala o Pe. Juan González Arintero, a via mística consiste na “íntima vida que experimentam as almas justas, como que animadas e possuídas pelo Espírito de Jesus Cristo, recebendo cada vez melhor e sentindo às vezes claramente seus divinos influxos – saborosos e dolorosos – e com eles crescendo e progredindo em união e conformidade com Aquele que é sua Cabeça, até ficarem n’Ele transformadas”.4
Em Mons. João, contudo, isso se deu com uma nota especial: todo o seu processo místico fez-se por meio de Nossa Senhora, somando em si as condições de filho, escravo e até de esposo espiritual da Santíssima Virgem. Frutos maravilhosos e inúmeros surgiram ao longo dessa “divinização marial”, alguns dos quais consideraremos, à guisa de exemplo, nas linhas a seguir.
O efeito de uma bênção dada antes de ser sacerdote
No ano de 1978 o então Sr. João encontrava-se em Quito, Equador, rezando na Igreja dos Jesuítas, quando se aproximou uma mãe aflita. Mostrando-lhe a criança que levava nos braços, ela dizia: “Minha filha está morrendo! Minha filha está morrendo!”
Mons. João prometeu rezar pela menina e demonstrou muito pesar por seu estado, mas a triste senhora não se contentou e pedia insistentemente que lhe desse uma bênção. Nosso fundador tentou dissuadi-la explicando não ser sacerdote, mas ela ignorava essa justificativa. Sendo impossível recusar, por fim ele abençoou a criança em nome de Nossa Senhora e se despediram.
Grande surpresa: alguns dias depois, a dedicada mãe voltou à igreja para testemunhar que sua filha havia sido curada por aquela bênção. Com efeito, Deus faz com que as almas mais eleitas, “além das graças que ordinariamente acompanham a vida mística, recebam também os carismas e dons extraordinários – profecias, milagres, dons de línguas, etc. – que antes de tudo se ordenam ao bem de outros e ao geral da Igreja”.5
Visões do futuro
Outro aspecto da vida mística de Mons. João é também descrito pela Teologia ao tratar sobre os sentidos espirituais, os quais “nos permitem perceber de algum modo o divino, rasgando um pouco o véu do mistério e dando-nos assim um conhecimento intermediário entre o da fé e o face a face ou beatífico”.6 Em nosso pai essa verdade foi comprovada inúmeras vezes, como no fato a seguir.
A bem-aventurança de ser caluniado (cf. Mt 5, 11) pousou muitas vezes sobre o movimento fundado por Dr. Plinio. E o ano de 1983 foi uma dessas “bem-aventuradas” ocasiões. Tudo começou no dia 6 de junho, quando lhe chegaram às mãos duas volumosas cartas contendo as mais absurdas acusações doutrinárias, as quais punham seu discípulo fiel como principal autor dos supostos desvios, em suas reuniões de apostolado.
Assim que se inteirou do conteúdo das missivas, Mons. João foi tomado de enorme preocupação, por discernir no caso uma onda de difamações muito perigosas contra a obra. Tendo-se dirigido a seu quarto, sentou-se na cama e então “viu” um prédio de aparência medieval, feito de pedras muito bonitas e com uma porta imponente, que se abriu para ele entrar. Depois de penetrar no recinto, deparou-se com outra porta da qual saiu um homem de cabelos encanecidos, revestido de túnica e escapulário brancos. Este veio em sua direção e, ao chegar diante dele, o abraçou calorosamente. E, de súbito, a visão se encerrou.
Nos dias subsequentes, ficou decidido que Mons. João deveria viajar para a Espanha, a fim de expor o caso a um bom teólogo ou canonista e pedir orientações. Chegando ao Velho Continente, os membros do Grupo ali residentes sugeriram que ele fosse a Salamanca, onde sabiam haver os especialistas desejados.
Após cerca de quatro horas de viagem, chegaram ao destino. Era a primeira vez que nosso fundador ali se encontrava… fisicamente. Tudo era tal qual lhe fora mostrado: a construção de pedra, a porta e o frade dominicano que aparecia com seu belo hábito. Tratava-se do Pe. Arturo Alonso Lobo, OP, um grande canonista.
O sábio filho de São Domingos estudou profundamente as acusações contidas nas cartas e as respondeu por escrito, afirmando não haver em Dr. Plinio nem em seu discípulo nada contrário à doutrina e aos costumes da Santa Igreja Católica. A visão de Mons. João se realizava, trazendo a solução para o inextricável problema. Um detalhe, porém, estava reservado para se concretizar só na despedida: o Pe. Arturo cumprimentou cordialmente as quatro pessoas que acompanhavam Mons. João, mas, ao chegar diante deste, deu-lhe um forte abraço.
Inúmeros episódios semelhantes a esse se deram ao longo dos anos. Muitos foram os filhos e filhas aconselhados à distância, as pessoas que apareceram misticamente diante dele nas mais variadas situações, pedindo auxílio, em perigo ou necessitadas de uma orientação – às vezes, até com uma “legenda” junto à imagem, indicando o nome do interessado! – ou, ao contrário, aquelas que, estando longe, viram o próprio Mons. João! Era-lhe igualmente habitual descrever toda a vida de alguém, sua situação familiar, ancestralidade e outros detalhes, apenas analisando uma fotografia ou ouvindo sua voz pelo telefone.
Quantos outros fatos poderiam ser narrados, nos quais as barreiras entre a fé, o humano e o sobrenatural foram claramente superadas!
Irresistíveis e acertados sopros do Espírito Santo
A ousadia foi outra constante na vida de Mons. João. Quantas decisões sérias, tomadas com segurança e de imediato, os seus mais próximos presenciaram! Alguns poderiam pensar ser temeridade, precipitação ou até presunção; outros, lances de um temperamento fogoso, dado ao inopinado. Pobres os que assim julgam os homens de Deus!
Os entendidos da vida mística têm uma explicação bem diferente para esse fenômeno: a alma que está unida a Deus por inteiro “costuma sentir alguns impulsos violentos e dulcíssimos, que a levam sem saber para onde, mas certamente a alturas para as quais a luz, a força ou a direção comuns não bastam”.7
Assim ocorreu em 1978. Tendo tomado conhecimento de algumas revelações privadas feitas por Nossa Senhora do Bom Sucesso a Madre Mariana de Jesus Torres, religiosa concepcionista do Equador, Dr. Plinio demonstrou bastante interesse em obter mais dados a respeito. Mons. João, incansável, se dispôs a viajar àquela nação para tentar encontrar algo, embora carecesse de qualquer indicação própria a facilitar a missão.
Chegou a Quito durante a noite, sendo recebido por irmãos de vocação do país, e quis ir diretamente ao mosteiro das concepcionistas. Como era de se esperar, a igreja já estava fechada devido ao horário. Seus acompanhantes lamentaram muito, prometendo retornar no dia seguinte. Era conhecer pouco nosso fundador… Decidiu ele fazer como Josué junto às muralhas de Jericó, e dar várias voltas em torno do mosteiro rezando o Rosário. No fim do último Terço, dirigiu-se até uma das portas do edifício e, para a surpresa de todos, a encontrou aberta.
No dia seguinte teve de ir à cidade de Riobamba, a fim de conseguir no convento concepcionista ali erigido mais dados sobre as misteriosas profecias. A superiora local afirmou que não podia fazer nada por ele sem uma autorização escrita da madre, a qual se encontrava convalescente em Quito, de onde ele havia partido… Sem perder um só instante, Mons. João tomou o caminho de volta para a capital com apenas um acompanhante, lá chegando por volta das vinte horas. Para assombro deste, disse que iria procurar a madre naquela mesma noite.
— Mas onde vamos? Não temos nenhuma indicação e Quito é uma cidade grande! – replicou quem o auxiliava.
— Leve o carro lá no alto, e vamos descer perguntando pelas freiras – respondeu Mons. João, indicando uma rua que ficava numa elevação.
Um tanto incrédulo, o companheiro aquiesceu, mas mostrando certa contrariedade com algo tão importuno e aparentemente ineficaz. Começaram a busca, de casa em casa, recebendo uma série de negativas, as quais pareciam dar razão ao amigo “sensato”… Porém, isso durou pouco. Ao entrar em outra rua, Mons. João se dirigiu a um pequeno bar e perguntou pelas concepcionistas. Nova surpresa: elas estavam um andar acima, na mesma construção.
Bateram à porta e a abriram duas religiosas. Viram Mons. João, que lá se apresentava de terno e gravata, e se ajoelharam. Nosso fundador se desculpou pela hora e perguntou se seria possível falar com a superiora. Confirmaram-lhe estar ela naquela casa, a chamaram e, ao aproximar-se, a madre também se ajoelhou!
Sentindo o Espírito Santo soprar naquela alma eleita, todas tiveram esta surpreendente reação. E a boa madre escreveu uma carta indicando que facilitassem a Mons. João todo o necessário em relação ao tema das revelações privadas de Nossa Senhora do Bom Sucesso. Como explicar com critérios meramente humanos um fato assim?
“Tudo está resolvido”
Outro fenômeno da mística que acompanhou Mons. João em toda a sua vida foram as locuções interiores.
Durante o ano de 1997, a obra fundada por Dr. Plinio passava por uma situação complexa. Com o dever paterno de sustentar, inclusive materialmente, um sem-número de filhos espirituais a ele ligados, Mons. João procurava um meio de obter os recursos necessários. Encontrou-o em Turim, junto às relíquias de São João Bosco.
Por razões de apostolado teve ele de viajar ao Velho Continente e, ao passar pelo norte da Itália, dirigiu-se à Basílica de Nossa Senhora Auxiliadora a fim de rezar junto aos restos do santo fundador dos salesianos, ao qual sempre nutrira entranhada devoção.
Após uma oração prolongada e recolhida retirou-se da basílica, pediu para contactarem o responsável pelos assuntos financeiros da obra e lhe disse para não se preocupar, pois todas as dificuldades seriam solucionadas em breve. Tal era a sua convicção que o ecônomo pensou tratar-se de um grande donativo recebido por Mons. João durante a viagem. Mas depois ele explicou: enquanto rezava, São João Bosco lhe prometeu claramente que cuidaria da parte financeira e, em pouco tempo, tudo estaria resolvido. E assim se cumpriu.
Uma consolação no início da maior prova
Como já é do conhecimento do leitor, em 2010 nosso fundador sofreu um acidente vascular cerebral. Alguns dias depois, estando ele convalescente no Hospital Oswaldo Cruz, em São Paulo, deu-se um episódio que abriria uma nova fase em sua vida mística.
Logo pela manhã chegam os acompanhantes e veem que ele está diferente, pois seu olhar brilha especialmente. Perguntam se algo aconteceu durante a noite, se recebeu alguma graça incomum e obtêm sempre uma enfática confirmação. Até que ele se põe a fazer um gesto com a mão esquerda, simbolizando uma girada de cento e oitenta graus.
Com esforço, pois depois do acidente nem sempre lhe acodem aos lábios os termos precisos, consegue dizer: “Alguém veio aqui. Foram três: o Pai, o Filho e o Espírito Santo!” Ainda acrescenta ser um favor sobrenatural análogo à visão de Deus.8 E, por fim, Mons. João se emociona ao falar… Durante vários dias, uma alegria superior – incompreensível para olhos naturalistas – o inunda no ambiente do hospital.
Devido à dificuldade de comunicação e à sua discrição em relação a esse tipo de fenômenos, ele nunca chegou a dar mais detalhes sobre o fato, mas este o impressionou profundamente. Embora pudesse parecer um fenômeno isolado, na realidade tratava-se de um importante marco na longa ascensão que principiava sua etapa mais difícil.
No auge da vida, uma oferta do demônio…
Sendo a via mística uma participação na própria vida de Nosso Senhor Jesus Cristo, não poderia faltar aos que sobem esta “escada” um degrau também transposto pelo Divino Mestre: “Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto para ser tentado pelo demônio” (Mt 4, 1).
Em maio de 2021, durante a madrugada, Mons. João “viu” claramente alguém se aproximar de sua cama. Tinha aparência humana, estava vestido de negro e transmitia um imponderável de muita maldade e frieza. Nosso fundador discerniu, de imediato, tratar-se de uma presença preternatural e já impostou seu espírito para a batalha.
O tentador aparentemente não viera para atormentá-lo, fazer algum mal físico ou se vingar. Queria, sim, apresentar-lhe uma proposta: muitos anos de vida a mais, o completo restabelecimento das sequelas do acidente que sofrera e todas as suas aspirações pessoais atendidas, caso se unisse a ele.
A resposta de nosso pai não poderia ser outra: um grande ato de ódio, rejeição e desprezo, manifestado com enorme veemência num brado, ouvido a considerável distância, contra este ser revoltado e imundo, o qual tentava uma última cartada para conquistar aquele que sempre o havia denunciado e combatido.
Vendo fracassado seu enlouquecido plano, o misterioso ser retirou-se pela porta do quarto, enquanto Mons. João o acompanhava com olhar desafiante e ameaçador.
“Bem-aventurados os que te conheceram…”
Talvez o episódio mais importante da existência de nosso fundador tenha sido o abraço recebido de Nossa Senhora em 12 de julho de 2008, na Basílica de Nossa Senhora do Rosário, sobre o qual se tratará com detalhes em outro artigo desta mesma edição. Naquele dia deu-se o que Santa Teresa de Jesus e São João da Cruz descrevem como o auge da vida mística: o desponsório espiritual.9 A partir de então a Santíssima Virgem e ele já não seriam dois, mas um só (cf. Jo 17, 10.21-22), nesta altíssima realidade sobrenatural simbolizada pelo matrimônio humano.
“O restante de suas façanhas, combates, feitos heroicos e atos gloriosos não foram escritos aqui por serem numerosos demais”, poderíamos acrescentar, parafraseando a épica crônica dos Macabeus (cf. I Mac 9, 22). Profecias, visões, sonhos sobrenaturais, discernimento dos espíritos, relatos de conselhos à distância e até possíveis bilocações… É impossível abarcar de forma exaustiva uma matéria que, sem dúvida, exige uma obra específica e uma análise mais cuidadosa dos fatos.
Todavia, de tudo quanto se disse, um ponto precisa ficar claro ao leitor. Quem teve a imensa graça de conviver com Mons. João conheceu um varão todo sobrenatural, de fé ardente, hors-série, no qual se sentia sempre intensa a presença de Deus. Em suma, apoiado nos grandes Santos e teólogos da vida mística, afirmamos sem receio: o que víamos não era mais um homem comum, mas a Santíssima Trindade vivendo nele e amando aquele com quem Maria quis ser um só coração.
Ó Mons. João, “bem-aventurados os que te conheceram e foram honrados com a tua amizade!” (Eclo 48, 11).
- Cf. GARRIGOU-LAGRANGE, OP, Réginald. Les trois âges de la vie intérieur: prélude de celle du Ciel. Paris: Du Cerf, 1938, t.I, p.307-336. ↩︎
- AFRAATES. Sobre la oración. In: ODEN, Thomas C; SHERIDAN, Mark (Ed.). La Biblia comentada por los Padres de la Iglesia. Antiguo Testamento. Madrid: Ciudad Nueva, 2005, v.II, p.273. ↩︎
- Cf. GONZÁLEZ ARINTERO, OP, Juan. La evolución mística. Madrid: BAC, 1959, p.23. ↩︎
- Idem, p.17. ↩︎
- Idem, p.603. ↩︎
- GONZÁLEZ ARINTERO, OP, Juan. Cuestiones místicas. 2.ed. Salamanca: Calatrava, 1920, p.58. ↩︎
- GONZÁLEZ ARINTERO, La evolución mística, op. cit., p.204. ↩︎
- O Pe. Juan González Arintero explica que este “ver a Deus” em uma “admirável familiaridade” é o último grau da vida mística (Cf. GONZÁLEZ ARINTERO, La evolución mística, op. cit., p.603). ↩︎
- Cf. Idem, p.529-549. ↩︎