Ir. Adriana María Sánchez García, EP
Perguntaram certa vez ao grande Santo Inácio de Loyola o que ele faria se lhe chegasse um decreto do Papa fechando a Companhia de Jesus. Com toda a simplicidade, ele respondeu que precisaria de quinze minutos para se recolher na capela e rezar diante do Santíssimo Sacramento. Em seguida, assegurado o domínio de si, começaria tudo de novo.1
São Tomás de Aquino, por sua vez, chegou a afirmar que aprendeu muito mais nas horas passadas em adoração diante de Jesus Sacramentado do que em seus anos de estudo.2 Assim, a vida dos Santos está marcada por uma ardente devoção eucarística, ideal a que todo batizado deve igualmente aspirar.
“Deus está aí”
A pedido de seus filhos espirituais, várias vezes Mons. João narrou seu primeiro encontro com Jesus-Hóstia, quando contava apenas cinco anos de idade. Certo dia em que saíra com sua mãe, no fim da tarde ambos entraram na pequena Capela de Nossa Senhora das Dores localizada no Bairro Ipiranga, em São Paulo, no momento em que se encerrava uma Adoração Eucarística. Assim ele próprio descreve a cena, na sua última obra publicada em vida:
“A capela encontrava-se repleta. Todos estavam ajoelhados e as senhoras portavam véu, numa atitude de muito respeito. Olhavam para o belo ostensório dourado, que reluzia no altar entre velas e flores. Também o menino se ajoelhou, fixando suas vistas na Sagrada Espécie, que ele nem sequer sabia chamar-se hóstia. Sentia-se fortemente atraído e, ao mesmo tempo, tomado por profundo temor religioso. Terminado o cântico, fez-se silêncio completo. Com a solenidade habitual do cerimonial litúrgico daqueles tempos, o sacerdote aproximou-se do altar a fim de dar a bênção, enquanto os presentes se inclinavam em reverência”.3
Sendo muito pequeno, ele pensou: “Não vou abaixar a cabeça, pois quero ver o que vai acontecer…” E permaneceu atento, observando tudo ao seu redor. Quando o sacerdote levantou o ostensório e começou a traçar a solene cruz, uma forte convicção gravou-se em seu espírito: “Deus está aí”.
Ele não começara ainda a frequentar as aulas de catecismo, nem lhe haviam dado qualquer explicação sobre o Sacramento do Altar; entretanto, por uma profunda moção mística, sentiu a presença de Nosso Senhor – enquanto grandeza extraordinária, aliada a uma bondade sem limites – e teve vontade de passar a noite inteira ali.
“Aquele primeiro contato com a Sagrada Eucaristia o arrebatou e constituiu o marco inicial de um relacionamento cada vez mais intenso com Jesus Sacramentado, antecipando de certa forma as horas e horas que, ao longo das décadas, ele passaria em adoração diante do Santíssimo exposto”.4
A Primeira Comunhão
Após sua primeira Confissão, feita aos nove anos de idade, o pequeno João retornou com todo cuidado para casa, pois não queria de forma alguma manchar sua alma com alguma falta e, em consequência, comungar de modo menos digno na manhã seguinte.
Raiado o dia 31 de outubro de 1948, vestiu as roupas próprias à ocasião e dirigiu-se à Igreja de São José do Ipiranga, onde a Missa começaria às oito horas. Ocupou seu lugar nos bancos, sentindo-se na antecâmara do Céu enquanto transcorria a celebração. Ao se aproximar da mesa de Comunhão, seu coraçãozinho de menino batia com força, pois ele sabia que então se daria um dos acontecimentos mais importantes de sua vida. Quando o sacerdote depositou a Sagrada Espécie em sua língua, “compreendeu que recebia em si o maior tesouro da face da terra e exclamou interiormente: ‘Deus está em mim! Eu sou um tabernáculo!’ E foi tomado por graças muito sensíveis de consolação e incomparável felicidade, como nada neste mundo pode dar, acompanhadas da noção de que era santificado por dentro”.5
A partir de então, ele encontraria no Santíssimo Sacramento as forças necessárias para enfrentar as lutas que a Providência lhe reservava, o remédio para todas as dificuldades, o consolo nas aflições e um Amigo íntimo com quem conviver em qualquer circunstância.
Crescente devoção eucarística
Essa entranhada devoção só cresceria ao longo dos tempos. Aos dezesseis anos, a partir do momento que ele denominou de sua “conversão”, considerado em outro artigo desta edição, passou a comungar todos os dias. Tal era o seu encanto que, muitas vezes, acolitava duas ou três Missas seguidas, e só depois voltava para casa a fim de tomar o café da manhã e estudar. Esse hábito da Comunhão diária jamais se interromperia, nem sequer, como vimos, no período em que teve de prestar o serviço militar.
Já enquanto membro da obra de Dr. Plinio, a certa altura o então Sr. João foi admitido como ministro extraordinário da Sagrada Comunhão, tendo distribuído a Eucaristia pela primeira vez no ano de 1973. Tanto assombro o invadiu ante a insigne graça de tocar a Sagrada Forma, na qual, sob as aparências de pão, Nosso Senhor Jesus Cristo encontra-Se realmente presente, que ele tremia de emoção.
Em inúmeras ocasiões, confidenciou que a Adoração Eucarística solene lhe tocava a alma até mais do que a Comunhão. E, a esse propósito, escreveu na carta em que pedia a admissão à ordem do presbiterado: “Junto ao Santíssimo Sacramento exposto – diante do qual me encontro – meu ser não só entrava em calma, como me sentia sempre angelizado e disposto a todos os holocaustos”.6
Irresistível atração
Sendo a própria Vida (cf. Jo 14, 6), Jesus Sacramentado vivifica todos aqueles que d’Ele se aproximam. Por esse motivo Mons. João, seguindo a trilha de tantas almas eucarísticas, muitas vezes O comparava ao Sol, que dá vida a todos os seres. E assim como o astro rei queima inexoravelmente a face dos que se expõem a seus raios, o Santíssimo ilumina e embeleza a alma – mens impletur gratiæ! – de quem se põe diante d’Ele, o que permitia a nosso fundador discernir, por sua grande sensibilidade eucarística, aqueles dentre seus filhos que tinham o hábito de frequentar com assiduidade a capela.
Movido por irresistível atração, sempre que havia oportunidade Mons. João se dirigia à capela da casa onde residia, a fim de fazer companhia Àquele que prometeu: “Eis que Eu estarei convosco todos os dias, até a consumação dos séculos” (Mt 28, 20). Num período em que ainda não se expunha com frequência o Santíssimo Sacramento, tinha ele o costume de acender as velas do altar, abrir a porta do sacrário e permanecer por longo tempo em estado de quietude, convivendo com Nosso Senhor.
Em algumas ocasiões, chegava a colocar a cabeça dentro do sacrário, à semelhança do que fazia outrora São Tomás de Aquino “como que para sentir palpitar o Coração divino e humano de Jesus”.7 Ficava assim, conforme afirmou, inteiramente envolvido pela atmosfera criada por Jesus-Hóstia e livre das preocupações por demais terrenas do dia a dia. Quantas graças ele recebeu nessa abençoada intimidade eucarística!
Cumprindo um antigo anseio de seu pai e mestre, Mons. João procurava estar junto a Jesus Eucarístico mesmo ao realizar seus trabalhos cotidianos. Com efeito, assim afirmou Dr. Plinio no ano de 1965: “Como eu gostaria de entrar na capela e ver membros do Grupo desenhando, lendo, escrevendo, estudando, tudo com muita discrição, evidentemente. Seria um passo a mais: não só rezar diante do Santíssimo Sacramento, mas viver em companhia d’Ele, porque a Presença Real de Nosso Senhor Jesus Cristo é algo, por assim dizer, ‘transincomparável’. É próprio a nós não só rezar, mas introduzir todas as atividades da vida na atmosfera do sagrado. Uma capela que tivesse qualquer coisa de sala capitular, de oratório preponderantemente, de sala de armas e de sala de trabalho, essa seria a nossa capela”.8
Os artigos de sua autoria publicados nesta Revista, por exemplo, Mons. João invariavelmente os redigia na capela da casa-mãe dos Arautos, diante do Santíssimo Sacramento exposto. Punha uma mesa e uma cadeira num local discreto e ali passava longa horas trabalhando e, por sua conduta, incentivando seus filhos a fazerem o mesmo.
Obra consagrada a Jesus Sacramentado
Com o falecimento de Dr. Plinio, a responsabilidade pelo destino do movimento por ele iniciado pousou sobre os ombros de Mons. João. Sentindo-se, em sua humildade, incapaz de sustentar sozinho os que o seguiam e de enfrentar as dificuldades de todo gênero que esse encargo lhe traria, percebeu haver apenas uma saída: consagrar tudo ao Santíssimo Sacramento. Com plena compenetração, no silêncio do seu quarto ele se pôs em espírito diante do sacrário da capela da casa e entregou toda a obra nas mãos de Jesus-Hóstia, certo de ser atendido.
Uma nova fase se abria na vida de Mons. João. Privado da presença física de Dr. Plinio, mais do que nunca ele se agarraria a Jesus Eucarístico como a uma âncora inamovível, apoio firme e conselheiro infalível em todas as circunstâncias. E muitas graças que antes recebia no convívio com seu pai espiritual, passou a senti-las, com ainda maior intensidade, diante do Santíssimo.
Já no ano de 1998, ele externou o desejo de instituir a Adoração Perpétua em alguma casa de sua obra, lamentando, porém, que a realização desse anseio parecesse possível apenas num longínquo porvir. Mas a espera não se fez sentir. Em 1º de novembro de 1999, por incentivo do futuro assistente espiritual internacional dos Arautos do Evangelho, iniciou-se essa devoção na casa-mãe da instituição, o Êremo de São Bento, estendendo-se posteriormente a outras duas comunidades.
Após a aprovação pontifícia dos Arautos em 2001, ele promoveu que a Adoração Eucarística solene fosse realizada diariamente no maior número possível de casas, incentivando em seus filhos espirituais essa devoção sem a qual nada se consegue, seja no campo sobrenatural, seja no material. Com efeito, “a Eucaristia, figurada pelo maná, contém também todo gênero de virtudes; é remédio contra nossas enfermidades, força contra nossas fraquezas cotidianas, fonte de paz, de gozo e felicidade”.9
Anos depois, ao entrar na capela da Adoração Perpétua na Basílica de Nossa Senhora do Rosário, a primeira igreja por ele erigida, Mons. João se emocionaria ao ver a realização de seu sonho e, como que, ouvir Nosso Senhor lhe dizer: “Assumi esta obra!”
Duas Comunhões diárias… por que não?
Levando sua devoção eucarística ainda mais longe, no início do ano de 2004 Mons. João começou a convidar um sacerdote amigo para celebrar a Santa Missa após sua reunião diária com os membros dos Arautos do Evangelho, costume que não existia até então. O fato se repetiu por vários dias, e muitos se indagaram se ele não estaria rezando por uma intenção especial.
Em um momento de intimidade alguns filhos mais próximos, desejosos de penetrar no coração de seu pai espiritual, perguntaram-lhe o motivo daquela sequência de Missas. Com toda a simplicidade, ele respondeu que não visava uma graça específica, mas desejava que todos pudessem comungar uma segunda vez, conforme é facultado pelo Direito Canônico.10 E explicou sentir que, assim como o mal avançava a passos largos com vistas a perder as almas, o bem precisava fazer um progresso proporcional pois, caso contrário, os bons não resistiriam a essas novas investidas.
Numa ocasião propícia ele expôs o mesmo durante uma reunião plenária, frisando que a partir de então adotaria, pessoalmente, esse costume, sem querer impô-lo de maneira alguma aos outros. Logo, porém, a maior parte de seus filhos seguiu-lhe o exemplo.
Fazer descer à terra o próprio Deus
Quando recebeu a ordenação sacerdotal em 2005, Mons. João, que sempre se extasiara com o Santíssimo Sacramento exposto, não hesitou em afirmar que a Consagração do pão e do vinho durante a Missa o arrebatava de forma ainda mais sensível.
Ao pronunciar as palavras da Consagração, ele como que constatava, através dos véus da fé, o quanto Nosso Senhor Jesus Cristo realmente Se fazia presente sobre o altar, impressão sobrenatural que se acentuava com a espécie do vinho, por sua semelhança com o sangue.
O que mais lhe comovia nestes instantes era o fato de um simples mortal, “emprestando” suas cordas vocais a Nosso Senhor, fazer descer à terra o próprio Deus Encarnado. Em suas mãos Se encontrava Aquele que havia operado tantos milagres e que podia santificar, sanar qualquer dificuldade e ressuscitar todos os homens no fim dos tempos. Tratava-se de graças tão sensíveis que, no breve ínterim até a Comunhão, ele fazia várias Comunhões espirituais, movido por uma santa sofreguidão de receber o quanto antes a Jesus Sacramentado.
Rumo à plena configuração com Jesus Eucarístico
Era suficiente assistir a uma Missa celebrada por Mons. João para comprovar sua fé ardente e amor apaixonado pela Eucaristia. Com quanta compenetração ele pronunciava as palavras da Consagração, ciente de que, à sua voz, Jesus “nascia” novamente sobre o altar! Com quanta piedade ele elevava a Hóstia e o cálice, com o olhar como que transfigurado por ter o Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Nosso Senhor em suas mãos! Com quanto recolhimento ele fazia a ação de graças após a Comunhão, muitas vezes fitando com ternura um crucifixo ou uma imagem de Nossa Senhora!
Contudo, essa devoção tão sincera, que comovia quem a presenciava e convidava a imitá-la, sublimou-se ainda mais quando sobre ela pousou a austera e luminosa sombra da Cruz de Cristo.
“O sacerdote é alter Christus e, à semelhança de seu Divino Mestre, deve ser uma hóstia imolada à glória de Deus e consagrada à salvação das almas”.11 Mons. João tinha plena consciência desta realidade e foi com semelhante intuito que ingressou nas vias sacerdotais, como ele mesmo declarou: “Quero ser consumido como uma hóstia a serviço [de Jesus] em benefício de meus irmãos e irmãs”.12 Toda a sua existência fora uma constante imolação, mas o Senhor almejava ainda mais, pois “tal é a perfeição que corresponde ao sacerdote”.13
Nesse sentido, como consequência do acidente vascular cerebral por ele sofrido em 2010, a Providência lhe pediu um dos maiores sacrifícios de sua vida: abster-se de celebrar a Santa Missa por quase um ano. E a esse sofrimento somou-se uma completa aridez em relação ao Santíssimo Sacramento, que se prolongaria por meses. Nada disso, porém, abalou seu amor a Jesus Eucarístico.
Tendo voltado a oferecer o Santo Sacrifício, certo dia Mons. João convidou o Pe. Bruno Esposito, OP, seu íntimo amigo, para uma de suas Missas. Era uma Eucaristia incomum em todos os sentidos. O celebrante encontrava-se numa cadeira de rodas e padecendo as sequelas do AVC que lhe acometera, mas em nada diminuíra a compostura, sacralidade e devoção que sempre o haviam caracterizado. A Missa foi toda cantada, e o cerimonial se distinguiu pelo esplendor. O padre convidado acompanhou tudo com muito respeito e até veneração. Terminada a celebração, ajoelhou-se diante de Mons. João e bradou: “Obrigado pela homilia!”
Nosso fundador o fitou com certa estranheza, pois não havia dirigido palavra alguma aos assistentes… A que se referia ele? O sacerdote então explicou que a homilia era seu “testemunho”, ou seja, o amor demonstrado à Eucaristia e a seus filhos espirituais ao celebrar com tanta perfeição e piedade naquelas circunstâncias.
E assim o fez até que suas forças não mais lho permitiram. Até o último momento não deixou de assistir ao Santo Sacrifício, sempre que possível, e de comungar atentamente, com um fervor que surpreendia seus acompanhantes por transcender de forma patente suas condições físicas no decurso do dia.
Quiçá a devoção eucarística de Mons. João tenha então atingido o seu ápice, configurando-o com Jesus-Hóstia não só enquanto sacerdote, mas também como vítima, e o preparando para o encontro definitivo com o Redentor.
- Cf. DAURIGNAC, J. M. S. Santo Inácio de Loyola. 4.ed. Porto: Apostolado da Imprensa, 1958, p.334. ↩︎
- Cf. JOYAU, OP, Charles-Anatole. Saint Thomas d’Aquin. Tournai: Desclée; Lefebvre et Cie, 1886, p.162-163. ↩︎
- CLÁ DIAS, EP, João Scognamiglio. Maria Santíssima! O Paraíso de Deus revelado aos homens. São Paulo: Arautos do Evangelho, 2019, v.I, p.37-38. ↩︎
- Idem, p.38-39. ↩︎
- Idem, p.50-51. ↩︎
- CLÁ DIAS, EP, João Scognamiglio. Carta a Dom Lucio Angelo Renna, OCarm. São Paulo, 25/4/2005. ↩︎
- BENTO XVI. Audiência geral, 23/6/2010. ↩︎
- CORRÊA DE OLIVEIRA, Plinio. Palestra. Amparo, 12/10/1965. ↩︎
- SÃO PEDRO JULIÃO EYMARD. Obras eucarísticas. 4.ed. Madrid: Ediciones Eucaristía, 1963, p.312. ↩︎
- Cf. CIC, cân. 917. ↩︎
- BEATO COLUMBA MARMION. Jesucristo, ideal del sacerdote. Bilbao: Desclée de Brouwer, 1953, p.74. ↩︎
- CLÁ DIAS, Carta a Dom Lucio Angelo Renna, op. cit. ↩︎
- BEATO COLUMBA MARMION, op. cit., p.75. ↩︎